Uma proposta para debater a misoginia nos movimentos

Recentemente,  o problema do machismo e da misoginia emergiu novamente na anarcosfera e na podosfera de esquerda no geral. São muitos os motivos pelos quais isso acontece de maneira repetida em nossos movimentos: desde o foco excessivo em figuras influentes e sub-celebridades, até o clima de camaradagem entre homens cis. Courtney Desiree Morris, em “Por que os misóginos são tão bons informantes”, já nos sugeria que a violência de gênero, em todos os seus espectros, é um dos principais fatores que atrapalham a construção de movimentos esquerdistas:

O que é mais paralisante para nosso trabalho é que quando mulheres e/ou companheirxs queers deixam nosso movimento porque repetitivamente tem sido enganadas, humilhadas, maltratadas fisicamente, verbalmente, emocionalmente, sexualmente, quantos têm se proposto a conversar sobre o trabalho para que possamos abordar na assembleia do grupo para a agressão mais recente de um membro, ou quando essa pessoa espalha desinformação, criando confusão e atritos entre grupos radicais? [1]

Naquele momento, lançamos uma nota, assinada coletivamente, repudiando os eventos, e nos comprometendo a criar uma série de ações para produzir esse debate. Apresentamos abaixo as nossas propostas. Sabemos que elas são insuficientes. Mas são um começo.

1. Podcasts e vídeos sobre misoginia

Atualmente, existem dezenas de podcasts anarquistas, inspirados no anarquismo, ou de outros espectros daesquerda radical. Da mesma maneira, diversos canais de vídeo existem atualmente no Youtube e no Peertube (principalmente na instância kolektiva.media). Propomos utilizar esses diversos canais, cada um com seu público próprio, para discutir o problema da misoginia. Não queremos estabelecer a pauta ou a forma como cada podcast ou canal de vídeo vai produzir seu conteúdo, ou o formato que deve adotar. Cada programa têm seu próprio conjunto de afinidades temáticas, afinal de contas. Mas seguem algumas sugestões:
  • Papel da misoginia na Extrema Direita contemporânea
  • Consentimento
  • Alternativas e estratégias de combate à misoginia – Como determinados grupos lidam com a misoginia (p. ex., mulheres curdas, zapatistas, movimentos autônomos de mulheres, etc)
  • Práticas machistas, machismo benevolente e microagressões
  • Credibilidade das mulheres
  • Constrangimento e mulheres desagradáveis
  • Masculinidades, patriarcado e privilégios
  • Divisão sexual do trabalho em espaços políticos e trabalho doméstico e afetivo não remunerado

2. Oficina de podcasts para mulheres

Um breve olhar sobre os podcasts e canais de vídeo do YouTube no nosso campo revelam uma enorme assimetria de gênero. Longe de buscarmos chavões liberais como “representatividade”, sugerimos que, enquanto essa disparidade existir, continuaremos reproduzindo relações de poder no campo. Entendemos que quaisquer ações nesse sentido produzirão efeitos limitados, mas é preciso atacar o problema. Propomos realizar oficinas de produção de podcast, vídeo, e blogs voltadas para mulheres, para gerar um movimento de discussões sobre esses temas nos meios libertários e aliados da Esquerda Radical.

3. Um “ecossistema” para os canais e programas

A criação de novos podcasts, por si só, pode não alcançar efeitos se esses podcasts não têm audiência. Para ajudar a resolver esse problema, propomos um ecossistema de apoio para os canais e programas. Em um primeiro momento, trabalharemos no âmbito dos conteúdos anarquistas e de inspiração libertária, criando comunidades de troca e cuidado, e propomos um acordo de divulgação – em que os podcasts e canais mais consolidados e com maior audiência se comprometem a divulgar conteúdos dos podcasts novos, em uma estrutura de apoio mútuo. Além disso, propomos também estimular o uso de licenças abertas e feministas, como a Licença Feminista de Produção de Pares.

Notas